Reflexos

Um feriado sem motivos para celebrar

Neste 1º de maio, as comemorações deram lugar às demissões, acentuadas pela pandemia causada pelo novo coronavírus

Carlos Queiroz -

Ano após ano, o 1º de maio é sinônimo de dia de luta e de manifestações: é o feriado do Dia do Trabalhador. Neste ano, a história é outra. A pandemia da Covid-19 lançou ao mundo a incerteza em relação à garantia de empregos e as relações de trabalho que antes conhecíamos. Por aqui, a categoria dos comerciários diminuiu em 10% por conta das demissões - é o que estima o Sindicato dos Empregados do Comércio de Pelotas. “Hoje a gente trabalha com medo. Esse é um dos piores 1º de maio que tenho lembrança”, conta o presidente da entidade, José Luiz Ferreira.

Conforme o Sindicato, até então 1.045 dos mais de dez mil trabalhadores no ramo do comércio perderam seus empregos entre março e abril na cidade. Desde o dia 23 de abril, o comércio reabriu as portas no município, após mais de 30 dias sem funcionamento. “A medida de flexibilização trouxe mais medo do que nos tranquilizou”, frisa. Para Ferreira, o sentimento que define a categoria é o medo, seja de perder o emprego ou da redução salarial. “O trabalhador é só um número na empresa, como se fosse descartável. A qualquer crise, somos os primeiros a sofrer”, lamenta. 

A preocupação é com a saúde dos trabalhadores em relação ao coronavírus. A entidade afirma que enviou ao Sindilojas um pedido para negociação com os funcionários quanto ao adicional de periculosidade e possibilidade de garantir planos de saúde - o sindicato ainda não obteve respostas. O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias e Cooperativas da Alimentação de Pelotas reforça o coro. O ramo entra no leque de serviços considerados essenciais e o medo atualmente é do coronavírus. “Há um temor muito grande da contaminação. Todos os dias os trabalhadores vão trabalhar, uma parte de ônibus, que é um espaço muito perigoso”, lembra o presidente, Lair de Mattos.

Os problemas mais sérios afetam as indústrias de pequeno porte, como as padarias - locais com maior risco de demissão e redução da jornada de trabalho. Agora, a preocupação com a informalidade cresce. Nas padarias, por exemplo, o número de funcionários sem carteira assinada é grande, afirma Mattos. Além disso, nas grandes indústrias, como as arrozeiras e os frigoríficos, o contato com transportadoras de outros locais do país segue. O presidente avalia que o momento econômico, apesar de difícil, seguiu um agravamento há muito iniciado. “A crise econômica já estava acentuada, principalmente com o aumento das flexibilizações das leis trabalhistas. Nós estamos lutando mas estamos perdendo. Sabe-se lá em quanto tempo vamos recuperar tudo que perdemos”, completa.

Esforço para evitar demissões

A Aliança Pelotas garante que os empresários estão trabalhando para evitar demissões. O movimento no comércio ainda não é satisfatório, por conta do receio das pessoas em irem às lojas, avalia o presidente da entidade, Amadeu Fernandes. Caso as decisões do Poder Público sejam de aumentar o rigor do isolamento social na cidade, fechando novamente as portas do comércio, ele descreve que a situação pode se tornar um “caos total”. Ainda não há dados quanto ao número de encerramento de atividades empresariais e demissões. “É uma conjuntura muito difícil de prever o que vai afetar na economia local e na região”, pontua. 

Desafios para atingir um bem estar coletivo

Para o professor coordenador do Observatório Social do Trabalho do Instituto de Filosofia, Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelotas (UFPel),Francisco Vargas, a pandemia gera mudanças com impacto nas relações de trabalho. “A informalidade e o desemprego são facetas dessas transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho e que a pandemia traz à tona de forma dramática”, salienta. Os riscos ficam ainda mais graves quando se fala de novas tecnologias, que podem reduzir os custos e aumentar as possibilidades de lucro aos empregadores. 

Fora isso, entra também o âmbito da convivência social, por trazer à tona experiências que antes eram pouco discutidas. “Sobretudo, temos tido a oportunidade de recuperar valores e instituições que poderão reforçar laços de solidariedade, de cuidado, de atenção aos outros. Estamos nos dando conta que precisamos cultivar modos de vida e formas de organização que valorizem a convivência, a coletividade”, ressalta. 

O atual desafio é o de fortalecer também as instituições públicas, os serviços públicos, a ciência e o conhecimento. “Esse é um desafio essencialmente político e não uma questão de mercado. A pandemia está mostrando a importância de termos instituições públicas organizadas e estruturadas”, explica. Além disso, entram as mudanças nas formas de trabalho, como a crescente do home office. Mudando a forma de encarar como o trabalho faz parte da sociedade, uma revolução cultural pode acontecer. “O trabalho talvez possa vir a ser uma expressão autêntica de nossa convivência solidária, um meio de autorrealização individual e coletiva”, analisa.

Hora de inovar

É momento de ver o copo meio cheio e abraçar as oportunidades, é o que explica a supervisora de gestão de pessoas da Universidade Católica de Pelotas e do Hospital Universitário São Francisco de Paula, Aline Duarte. Essas transformações no modelo atual de trabalho impactam nas exigências futuras quanto ao perfil dos profissionais. “As pessoas vão ter que mudar e aprender novas habilidades, como a flexibilidade, negociação, autogestão e disciplina”, afirma. Hoje, em casa, uma parcela da população se vê de frente à falta de cobranças diárias, gerindo a própria produção - são habilidades assim que em breve se tornarão requisitos para as vagas de emprego.  A dica é o investimento em cursos de autogestão, para ir além da formação acadêmica. Quem já trabalhava com o modelo home office, sai com vantagem. “É hora de buscar  a inovação, novas competências e se desacomodar”, indica.

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